Radicalização do debate

A entrada do CHEGA! no parlamento português, tem contribuído para a radicalização dos debates, com discussões cada vez mais acirradas, sobretudo, quando os temas são imigração, corrupção e segurança pública. O CHEGA! tem defendido uma postura mais "rigorosa" com relação à imigração, fato que tem gerado polêmicas, com alegações de que André Ventura seria racista e xenófobo, principalmente, com relação a etnia cigana.

PORTUGAL

Manoel Oliveira

7/9/20244 min ler

André Ventura líder do CHEGA discursando no parlamento português
André Ventura líder do CHEGA discursando no parlamento português

O deputado pelo CHEGA!, André Ventura, ao que parece, acredita que é o "paladino da justiça", por conta das novas possibilidades que se abriram, pela eleição de 50 deputados para o Parlamento Português, tornando o CHEGA!, a terceira força política de Portugal.

O partido CHEGA! foi fundado em 2019, sendo liderado por André Ventura, um ex-vereador da câmara municipal de Loures, ex-comentarista esportivo, jurista e professor universitário convidado de Direito, na Universidade Nova de Lisboa, que ganhou notoriedade discutindo segurança pública na televisão, definindo-se como liberal e conservador.

O partido tem ganhado projeção desde a sua criação, tornando-se uma das forças de do parlamento português, cuja maioria é da Aliança Democrática (AD) e do Partido Socialista (PS), respectivamente, a primeira e segunda forças políticas.

A Aliança Democrática (AD) é uma coligação política em Portugal dita de centro-direita, formada pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD), pelo CDS – Partido Popular (CDS–PP), pelo Partido Popular Monárquico (PPM) e algumas personalidades independentes.

A ascensão do CHEGA! rompeu a alternância de poder entre a esquerda e a direita moderadas, que vigorava no país desde o fim da ditadura em 1974.

A entrada do CHEGA! no parlamento português, tem contribuído para a radicalização dos debates, com discussões cada vez mais acirradas, sobretudo, quando os temas são imigração, corrupção e segurança pública. O CHEGA! tem defendido uma postura mais "rigorosa" com relação à imigração, fato que tem gerado polêmicas, com alegações de que André Ventura seria racista e xenófobo, principalmente, com relação a etnia cigana.

A questão da imigração tem sido um tema recorrente na Europa e em Portugal, onde foi trazido ao lume pelo CHEGA!. Recentemente, o governo português através de seu primeiro-ministro Luiz Montenegro (AD), anunciou um pacote de medidas, que alteram consideravelmente algumas das principais regras da imigração no país.

Estas mudanças têm gerado debates acalorados, com o CHEGA! defendendo uma postura mais restritiva. Outro caso que tem atraído muita atenção, é o das gêmeas luso-brasileiras, que receberam tratamento médico em Portugal, com um dos medicamentos mais caros no mundo na ocasião, o Zolgensma, ao custo de 4 milhões de euros.

Este caso tem levantado questões sobre a política de imigração do país (apesar da dupla nacionalidade) e a forma como os imigrantes são tratados pelo sistema de saúde. O CHEGA tem usado este caso, não somente para criticar a política de imigração, mas, sobretudo, para tentar revelar um possível tráfico de influência, onde estariam envolvidos o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, seu filho Nuno rebelo de Sousa, além de secretários de governo. No Brasil, a conduta é chamada "pistolão". Em Portugal, chama-se "cunha".

O CHEGA! através de André Ventura, requereu a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), para investigar a utilização de "pistolão" ou "cunha" pela mãe das gêmeas, o que é absolutamente justo. O que ocorre, é que a Comissão Parlamentar, através de André Ventura, mostra-se excessivamente arbitrária, sobretudo, com Daniela Martins, mãe das menores e seu advogado luso-brasileiro, Wilson Bicalho.

O advogado, inclusive, vem sendo sistematicamente ameaçado pelo Presidente da CPI, o Deputado Rui Paulo Sousa, bem como pelo deputado efetivo André Ventura, por supostamente estar dificultando os trabalhos da Comissão, ao se negar a responder perguntas afetas à relação cliente/advogado e ao processo, que está sob sigilo de justiça.

"Nemo tenetur se detegetere", ou seja, o princípio de não produzir provas contra si mesmo, é adotado pela Constituição Portuguesa (art. 32º, nº 2 e art. 64º, nº 2) e Código de Processo Penal português (artigo 61º, I, "d", artigo 141º, nº 4, artigo 342º, nº 1 e nº 2, artigos 343º e 345º, nº 1) que, certamente, são conhecidos pelo professor André Ventura.

Estabelecer um clima belicoso, nada favorece ou acrescenta à investigação. Afinal de contas, Daniela Luzado Martins, cujos avós maternos e paternos eram portugueses e possui a nacionalidade portuguesa há 15 anos, fez o que qualquer mãe faria por suas filhas, que também adquiriram a dupla nacionalidade, ou seja, tratar suas duas filhas portuguesas, no SNS, não configura qualquer crime.

Portanto, com relação a mãe e suas duas filhas menores, seria DEVER do Estado Português prestar assistência à saúde para todas, através do seu sistema universal, o SNS (Sistema Nacional de Saúde), que oferece o medicamento em questão aos seus cidadãos. O Brasil através do SUS, não oferece o medicamento por ser de alto custo, o que é realmente vergonhoso, mas não surpreende no governo comunista de Lula da Silva.

O CHEGA! avança sobre a proteção à privacidade das menores e de sua mãe Daniela Martins, pois ao abrigo da Lei Portuguesa, as menores não podem ter seus rostos mostrados. O sigilo seria violado, caso fosse exibido um vídeo a pedido de André Ventura (uma entrevista de Daniela Martins), acertadamente negado pelos deputados integrantes da CPI.

Em uma dessas ocasiões, o Deputado André Ventura "escorregou" e fez uma declaração xenofóbica contra o advogado Wilson Bicalho, ao dizer-lhe diante de mais uma negativa de resposta, que "não sei onde está acostumado, mas aqui é Portugal e cumprem-se as regras", em clara alusão a nacionalidade primária do advogado, que é a brasileira.

Na verdade, a mídia portuguesa em casos pontuais, vem ignorando a proteção ao sigilo, fato que mereceu justas críticas do advogado, assim como a conduta truculenta dos deputados portugueses, principalmente, os do CHEGA!.

A ascensão do CHEGA! e a radicalização dos debates parlamentares em Portugal refletem uma mudança de comportamento de parte do povo português e no panorama político do país. Com temas como imigração ganhando destaque, é provável que estas questões continuem a dominar o discurso político por muito tempo.

Como o CHEGA! e outros partidos navegarão por este cenário em constante mudança é algo que ainda está para ser visto, mas uma coisa é certa: deve se ter cuidado com as palavras, para não desvirtuar o legítimo debate, para um discurso de ódio, que pode causar prejuízos de todas as ordens para Portugal e para o CHEGA!.