O amigo do amigo do meu pai ataca novamente
Quem tem padrinho não morre pagão. Esse é um ditado muito antigo, mas decreve muito bem a situação de grandes corporações, com patrimônio de centenas de bilhões de reais. Ao menor sinal de problemas, recorrem ao amigo mais poderoso da república brasileira: um ministro do STF. Basta oferecer um contrato de R$ 139 milhões, ou R$ 3.8 milhões de reais por mês, ao escritório da esposa do ministro ou ofertar de quando em vez, viagens em jatinhos ligados a facções criminosas, comida e estadia. Organizar eventos jurídicos luxuosos, com diárias maravilhosas, também está no roteiro de como obter um padrinho devotado.
BRASIL


No final de novembro de 2025, enquanto a maioria dos meros mortais do Brasil, assistia em casa à final da Copa Libertadores entre Palmeiras e Flamengo, uma viagem chamava atenção por razões bem menos nobres. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, torcedor declarado do Palmeiras, embarcou em um jatinho privado rumo a Lima, no Peru, para prestigiar o jogo. Até aí, nada de extraordinário – exceto pelo fato de que ele não pagou o frete do jatinho de seu bolso. Na verdade, o avião pertencia ao empresário e ex-senador Luiz Oswaldo Pastore e entre os passageiros, estava o advogado Augusto de Arruda Botelho, defensor de um dos diretores do Banco Master, caso do qual Toffoli é relator no STF. Essa peculiar conjunção de interesses, levanta sérias questões éticas, expondo como esses tipos de condutas questionáveis, estão se banalizando na mais alta corte do país.
Vamos aos fatos. De acordo com reportagens recentes de veículos como O Globo e UOL, Toffoli viajou no dia 29 de novembro, poucos dias antes de impor sigilo máximo ao inquérito envolvendo o Banco Master, uma instituição financeira investigada por supostas irregularidades, incluindo lavagem de dinheiro e conexões com figuras políticas.
O advogado Botelho, que representa Luiz Antonio Bull, um dos presos no caso, minimizou o episódio, alegando que todos eram "apenas torcedores" e que não houve discussões "profissionais" durante o voo. No entanto, essa explicação soa por demais conveniente. Como relator do processo, Toffoli tem o poder de influenciar decisões, que afetam diretamente os interesses dos representados por Botelho. Aceitar uma "carona" em um jato particular de um empresário, na companhia do advogado de um dos envolvidos no mesmo caso, configura, no mínimo, um conflito de interesses, que fere os princípios basilares da Magistratura, principalmente, o da imparcialidade.
A peculiaridade dessa situação, reside justamente na interseção entre o pessoal e o profissional. Toffoli não é um cidadão comum; ele é um "ministro" do Supremo Tribunal Federal, ou seja, foi alçado a posição de Juiz e um guardião da Constituição, estando, portanto, obrigado a manter a imparcialidade e evitar qualquer conduta que possa comprometer a confiança pública no Judiciário.
Uma mera coincidência?
O artigo 36 do Código de Processo Civil, prevê a suspeição de juízes em casos de amizades com partes ou advogados. Aqui, resta evidente que não se trata de uma mera casualidade: a viagem ocorreu em um contexto, onde o Banco Master já havia patrocinado palestras de Toffoli em eventos internacionais, como um ocorrido em Londres, sem que o ministro prestasse esclarecimentos satisfatórios sobre esses laços. Dias antes da partida para Lima, o STF paralisou diligências na primeira instância, incluindo quebras de sigilo bancário, o que beneficiou indiretamente os investigados. Seria coincidência ou uma clara demonstração, de como relações pessoais podem interferir em processos judiciais de alta relevância?
As implicações éticas são graves e multifacetadas. Primeiramente, há o risco de violação à independência judicial, pois quando um ministro da Suprema Corte brasileira aceita favores – como uma viagem luxuosa – de indivíduos com interesses em jogo no Tribunal, ele compromete não apenas sua própria reputação, mas a integridade de todo o sistema.
Isso alimenta a percepção de que o STF opera em uma bolha elitista, distante das regras que impõe aos cidadãos comuns. Imagine um juiz de primeira instância, agindo da mesma forma: seria imediatamente afastado e investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No STF, porém, a "responsabilidade" parece rarefeita. Toffoli recusou-se a se declarar impedido e colegas como Gilmar Mendes, minimizaram o episódio, alegando que "não há nada de errado em torcer por futebol". Essa defesa pífia e, até certo ponto, conivente, ignora propositadamente que o cerne da questão não é o esporte, mas a proximidade indevida com partes interessadas.
Além disso, a declaração de Gilmar Mendes, conhecido boquirroto do STF, reflete a banalização alarmante de escândalos éticos nas cortes superiores, pois não se trata de um caso isolado. O próprio Banco Master aparece em conexões com outros ministros: o escritório de advocacia da esposa de Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes, firmou um contrato milionário com a instituição financeira, no valor de 129 milhões de reais, cerca de 3,8 milhões mensais, gerando questionamentos sobre imparcialidade em decisões relacionadas.
Alexandre de Moraes, conhecido por sua rigidez em investigações e se auto declarando defensor da democracia, viu seu nome envolvido em polêmicas semelhantes, que inclui viagens e palestras bancadas por figuras investigadas pelo Tribunal. Outros exemplos abundam: o agora aposentado Luís Roberto Barroso, já foi criticado por palestras remuneradas, em eventos patrocinados por empresas com processos no tribunal; Edson Fachin enfrentou escrutínio por contatos com lobistas. O que dizer de Ricardo Lewandowski, que, após aposentadoria, assumiu cargos em firmas ligadas a ex-clientes, incluindo o próprio Banco Master? Esses episódios criam um padrão: o que outrora seria visto como inadmissível, agora é tratado como rotina, com o tribunal emitindo notas vagas ou simplesmente ignorando as críticas.
Essa normalização erode a confiança pública no Judiciário como um todo. Em um país marcado por sérias desigualdades, onde milhões lutam diariamente para sobreviver, com um salário-mínimo miserável, de pouco mais de 1,5 mil reais, ver "ministros" dos Tribunais Superiores desfrutando de luxos financiados por empresários investigados, soa como um tapa na cara da sociedade.
Pesquisas recentes, como as do Datafolha, mostram que a aprovação do STF caiu para menos de 30%, justamente por percepções de elitismo e parcialidade. A banalização dessas condutas não só enfraquece a democracia ao minar a separação de poderes, como também incentiva corrupção em escalões menores, pois se os de cima podem, por que não os de baixo não poderial? Trata-se de uma percepção muito perigosa.
Reformas já!
É urgente uma reforma do Poder Judiciário, sobretudo, no funcionamento e competência dos Tribunais Superiores, o que também inclui o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Tribunal Superior do Trabalho (TSE). É muita "superioridade" junta, mas isso é tema para um artigo mais longo, devido a sua complexidade.
Mas a princípio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) precisa fortalecer seus mecanismos de fiscalização, impondo transparência obrigatória sobre viagens, palestras e relações pessoais de ministros, mas como fazer isso, se a sua presidência é ocupada por um ministro do STF? O Congresso Nacional deve promulgar leis mais rígidas contra conflitos de interesse, como aquelas vigentes em cortes supremas de países desenvolvidos como Estados Unidos e Inglaterra. O Código de Conduta sugerido por Fachin, baseado no modelo alemão, não é uma solução (pois é muito fraco) e a própria imposição de um "código de ética", nem mesmo foi aceita pela maioria dos ministros.
Dias Tóffoli, por dever ético e funcional, deveria se afastar do caso Master, seguindo os ditames da Lei Processual, caso contrário, o STF corre o risco de se tornar uma instituição absolutamente desacreditada, onde não mais se tem a percepção de que a justiça é seletiva e seus princípios, negociáveis, mas se terá a plena certeza.
A viagem de Toffoli, por óbvio, não foi apenas uma escapada futebolística, de um fanático pelo velho esporte bretão, mas é um sintoma de um mal maior, que está corroendo as entranhas do STF. Enquanto o futebol celebrou uma vitória (do Flamengo), a ética e a justiça sofriam mais uma derrota. Já passou da hora do STF recuperar sua credibilidade, antes que essa inadmissível banalização, tome efeitos irreversíveis, ao ferir de morte a reputação do Poder Judiciário, que é o responsável pela aplicação da Lei sem olhar a quem. Cabeças hão de rolar.
