Entre a promessa e a realidade

O inverno se aproxima, porém, ainda no outono, as baixas temperaturas registradas em Portugal, acendem o alerta para as doenças respiratórias, particularmente a gripe, que já está circulando com um impacto maior do que no ano passado. O alerta vem da ministra da saúde Ana Paula Martins, que apela para a vacinação e o uso de máscara em locais fechados e com alta aglomeração de pessoas.

PORTUGAL

Manoel Oliveira

12/9/20253 min ler

pessoas com máscaras no hospital
pessoas com máscaras no hospital

A ministra da Saúde Ana Paula Martins, voltou a soar o alarme esta semana ao admitir que a época da gripe em Portugal chegou mais cedo do que o previsto, e poderá vir a ter um impacto superior ao dos anos anteriores.
A ministra recomenda à população, o uso da vacinação e de máscara em ambientes fechados. Quanto às máscaras, pesquisas feitas durante e após a pandemia de COVID-19, demonstram a sua baixa eficácia.
Em um estudo britânico de 2023, chamado “Intervenções físicas para interromper ou reduzir a propagação de vírus respiratórios”, analisou os resultados de 78 pesquisas feitas em várias partes do mundo, antes e durante a pandemia, para determinar a eficácia real do uso de máscaras e da higiene das mãos para deter a transmissão dessas doenças.
A principal conclusão causou grande surpresa e polêmica: “não temos certeza se usar máscaras ou respiradores N95/P2 ajuda a retardar a propagação de vírus respiratórios”, disseram os epidemiologistas.
Segundo eles, “o uso de máscara pode fazer pouca ou nenhuma diferença em quantas pessoas contraíram uma doença semelhante à gripe ou à Covid-19; e provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença em quantas pessoas têm gripe ou Covid-19 confirmada por um teste de laboratório”.
Polêmicas à parte, o aviso surge em um momento particularmente sensível, pois o atual governo de Luis Montenegro comprometeu-se que o Serviço Nacional de Saúde (SNS), apresentaria uma melhora sensível em apenas 60 dias, mas a realidade, até agora, aponta em uma outra direção.
Segundo a ministra da saúde do governo Montenegro, citada pelo jornal “Público”, cuja demissão foi pedida pelo PS, por conta do episódio de contenção de despesas, os serviços estariam “preparados e articulados” para enfrentar o aumento da demanda que envolverá hospitais, centros de saúde, INEM, Direção-Geral da Saúde, Instituto Ricardo Jorge e a Direção Executiva do SNS. Contudo, admitiu que as cirurgias programadas poderão ser suspensas, se a pressão hospitalar atingir níveis considerados críticos — uma confissão que, por si só, já desmonta parte do discurso oficial de normalidade.
Não se poderia mesmo levar essa promessa a sério, pois o SNS foi sucateado pelos sucessivos governos do PS, nos últimos 7 anos e parece óbvio, que jamais poderia mudar significativamente em 60 dias, sem que houvesse uma mudança estrutural monumental, o que implicaria em aumento brutal de recursos aplicados ao sistema, que sabidamente são escassos.

Programa de vacinação ao meio

Um outro ponto que gera desconforto político, é o programa de vacinação. Embora o governo comemore o número de 2,3 milhões de doses aplicadas até o fim de novembro, uma informação essencial ficou de fora: as vacinas para a população fora dos grupos de risco já se esgotaram e não serão repostas, ou seja, no momento em que o próprio Estado reconhece que a gripe será mais agressiva, grande parte da população a princípio, não terá mais acesso à prevenção.
A ministra também voltou a apostar na solução dos chamados “internamentos sociais”, anunciando ampliação de vagas em lares e cuidados domiciliares. O programa Apoio Domiciliário + Saúde, segundo ela, atende pouco mais de 150 pessoas em cinco distritos, enquanto a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa conseguiu abrir cerca de 139 camas, com promessa de mais 50. Números modestíssimos, diante da dimensão estrutural de uma crise hospitalar, que se repete todos os invernos e, portanto, é mais do que conhecida.

Credibilidade política em jogo

O problema central, porém, vai muito além da gripe. O que está em jogo é a credibilidade política do governo em relação ao SNS, pois o seu compromisso programático de apresentar melhorias concretas do SNS em 60 dias, criou legítimas expectativas na população e a gripe chegou, justamente, para testar essa promessa. O resultado preliminar é repetitiva, mas nem por isso menos preocupante: filas longas, hospitais operando no limite, ameaça de suspensão de cirurgias, greves e escassez de vacinas para parte da população.
Mais uma vez o peso da crise recai sobre o cidadão comum, que é chamado a “se prevenir”, “usar máscara” e “evitar a sobrecarga do sistema de urgências”. São medidas importantes, sem dúvida, mas a prevenção individual não substitui o investimento estrutural, planejamento de longo prazo e cumprimento das promessas políticas.
À medida que o inverno chega, cresce a pressão sobre o governo, pois se o SNS não consegue atravessar mais uma onda de gripe, sem recorrer a medidas de exceção, fica cada vez mais difícil sustentar o discurso de recuperação rápida do sistema público de saúde.
A gripe (como a COVID-19) apenas vem a escancarar o que muitos profissionais há muito alertam: o SNS continua a ser um doente respirando por aparelhos e a conta política disso, ainda está por ser cobrada.

Gripe, promessas e o choque de realidade do SNS