As rendas nada moderadas do PSD

O PSD de Luíz Montenegro propôs como "solução" para o problema crescente da habitação em Portugal, uma medida que visa incentivar o arrendamento através de isenções fiscais. Mais especificamente, a proposta passa pela isenção do adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), para imóveis colocados no mercado de arrendamento com rendas até 2.300 euros mensais, classificadas pela coligação, como sendo "rendas moderadas". A sério?

PORTUGAL

Manoel Oliveira

9/29/20255 min ler

As rendas nada moderadas de Luís Montenegro

Em meio à persistente crise habitacional que assola Portugal há mais de uma década, o governo de Luiz Montenegro do PSD, anunciou recentemente medida que visa incentivar o arrendamento através de isenções fiscais. Mais especificamente, a proposta passa pela isenção do adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), para imóveis colocados no mercado de arrendamento com rendas até 2.300 euros mensais, classificadas como sendo "rendas moderadas".

Esta iniciativa, que é mesmo séria, divulgada com pompas pelo Primeiro-Ministro e detalhada pelo Ministério das Finanças, pretende aliviar a pressão no setor imobiliário, promovendo a oferta de habitações a preços acessíveis em cidades como Lisboa e Porto. No entanto, a reação foi imediata e surpreendentemente unânime: proprietários e inquilinos uniram-se em críticas veementes, argumentando que chamar "moderada" a uma renda de 2.300 euros é não só irrealista, mas uma "brincadeira" com os portugueses.

A proposta surge num contexto de agravamento da escassez de habitação acessível. De acordo com o anúncio governamental, o limite de 2.300 euros para rendas moderadas estaria alinhado com um rendimento familiar médio de cerca de 5.000 euros, cálculo que o Governo utiliza para justificar a medida. Esta isenção fiscal visa estimular os proprietários a colocarem mais imóveis no mercado de arrendamento de longo prazo, combatendo o fenômeno do alojamento local e das casas vazias. Além disso, a medida integra um pacote mais amplo de incentivos fiscais, incluindo deduções no IRS para inquilinos e proprietários que optem por contratos de arrendamento estáveis. O objetivo é claro: aumentar a oferta e estabilizar os preços, que têm disparado nos últimos anos devido à especulação imobiliária e ao turismo.

Contudo, as associações representativas de proprietários e inquilinos não pouparam palavras. Carlos Teixeira, da Associação de Proprietários do Norte de Portugal, classificou as premissas do Governo como "irrealistas" e "desligadas da realidade portuguesa". Ele apontou que, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a remuneração média bruta regular por trabalhador é de cerca de 1.368 euros, o que significa que uma família típica com dois adultos empregados dificilmente ultrapassaria os 2.800 euros mensais – longe dos 5.000 euros assumidos pelo Governo. Teixeira criticou ainda a ausência de uma estratégia de longo prazo, argumentando que incentivos fiscais isolados não resolvem problemas estruturais como a burocracia no licenciamento de construções e a falta de investimento público em habitação social.

Do lado dos inquilinos, a indignação é ainda mais palpável. José Fernandes Martins, da Associação de Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal, expressou revolta: "É uma vergonha. Dizer que uma renda de 2.300 euros é moderada ou que uma casa de 600.000 euros resolve o problema da habitação é brincar com os portugueses. Isto faz um santo perder a paciência." Martins sublinhou que a maioria das famílias portuguesas não pode suportar tais valores, especialmente quando o salário médio ronda os 1.000 euros líquidos, tornando rendas de 2.000 ou 2.300 euros "impossíveis". Ele defendeu a necessidade de o Governo reconhecer a realidade socioeconómica e priorizar apoios para os mais vulneráveis, como jovens e famílias de baixa renda.

Para contextualizar estas críticas, é essencial analisar os indicadores salariais atuais em Portugal. Em 2025, o salário mínimo nacional (SMN) foi fixado em 870 euros brutos mensais, representando um aumento de 50 euros face a 2024, ou cerca de 6,1%. Este valor é pago em 14 prestações anuais, incluindo subsídios de férias e Natal, o que eleva o rendimento anual efetivo para cerca de 12.180 euros. No entanto, milhões de portugueses – especialmente em setores como o retalho, hotelaria e agricultura – dependem deste mínimo, que mal cobre as despesas básicas como alimentação, transporte e utilidades. No continente português, onde se concentram as maiores pressões imobiliárias, o SMN aplica-se uniformemente, mas as disparidades regionais agravam o problema: em regiões como o Alentejo ou o interior, os custos de vida são menores, mas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o fosso entre salários e rendas é abissal.

Quanto aos salários médios, os dados mais recentes do INE indicam que, no primeiro trimestre de 2025, o salário médio bruto mensal dos trabalhadores portugueses subiu para 1.525 euros, um aumento de 5,3% em relação ao período homólogo de 2024. No segundo trimestre, este valor acelerou para cerca de 1.741 euros, refletindo uma tendência de recuperação pós-pandemia, impulsionada por setores como a tecnologia e os serviços financeiros. No entanto, estas médias mascaram desigualdades: no setor privado, o crescimento foi mais modesto (2,8%), enquanto no público atingiu 6,3%. Em termos líquidos, após descontos para a Segurança Social (11%) e IRS (variável), o salário médio cai para cerca de 1.200-1.300 euros, dependendo do escalão fiscal. No continente, excluindo as regiões autónomas, os valores são semelhantes, com Lisboa a registar médias mais altas (cerca de 1.800 euros) devido à concentração de empregos qualificados, enquanto o Norte e Centro ficam abaixo da média nacional.

Com base nestas estatísticas, a viabilidade da proposta governamental de "rendas moderadas" até 2.300 euros revela-se altamente questionável. Tradicionalmente, especialistas em economia habitacional recomendam que a renda não exceda 30% do rendimento familiar disponível, para evitar sobrecarga financeira e risco de endividamento. Aplicando esta regra, uma renda de 2.300 euros exigiria um rendimento familiar bruto de pelo menos 7.667 euros mensais – um valor que apenas uma minoria de famílias de classe alta atinge. Considerando o salário médio de 1.525 euros por trabalhador, uma família com dois adultos empregados teria um rendimento combinado de cerca de 3.050 euros brutos. Após impostos e contribuições, isso cai para aproximadamente 2.400-2.600 euros líquidos, dos quais 2.300 euros em renda consumiria quase 90%, deixando pouco para alimentação, educação, saúde e poupança.

Para famílias no salário mínimo, a situação é ainda mais dramática: dois adultos a ganhar 870 euros cada somam 1.740 euros brutos, ou cerca de 1.500 euros líquidos. Uma renda de 2.300 euros seria não só inalcançável, mas potencialmente catastrófica, forçando opções como coabitação forçada ou migração para periferias distantes. Em cidades como Porto, onde o preço médio de arrendamento é de 17,7 euros por metro quadrado (resultando em 1.239 euros para um T2 de 70 m²), rendas "moderadas" de 2.300 euros corresponderiam a apartamentos de luxo, inacessíveis para a classe média. Estudos da OCDE e do Eurostat confirmam que Portugal tem uma das maiores taxas de sobrecarga habitacional na UE, com mais de 10% das famílias a gastar acima de 40% do rendimento em moradia.

Esta desconexão entre a proposta e a realidade salarial sugere que o Governo pode estar a priorizar incentivos para proprietários de imóveis de alto valor, em detrimento de soluções para a maioria da população. Em vez de rendas "moderadas" inflacionadas, especialistas defendem medidas como a construção massiva de habitação social, controlo de preços no arrendamento e incentivos fiscais escalonados por rendimento real. Sem ajustes, a proposta corre o risco de agravar a desigualdade, alienando tanto proprietários (que veem pouca atratividade em arrendamentos de longo prazo) quanto inquilinos (que continuam excluídos do mercado).

Em conclusão, enquanto a intenção de combater a crise habitacional é louvável, a definição de "renda moderada" a 2.300 euros ignora as estatísticas salariais e perpetua um fosso social. Com o salário mínimo em 870 euros e médias em torno de 1.525 euros, a viabilidade é baixa, exigindo uma revisão urgente para alinhar com a realidade dos portugueses. Só assim poderemos vislumbrar uma solução inclusiva e sustentável para o problema da habitação.

vista de Lisboa
vista de Lisboa