2026 já começa com o desafio da eleições presidenciais

O ano de 2026 já irrompe com o desafio de escolher o próximo Presidente da República Portuguesa. É o fim da era midiática de Marcelo Rebelo de Sousa e o que pode ser o começo de uma nova era, seja com a direita mais radical no poder ou a manutenção do "establishment" político sem sal, que vigorou no país nos últimos anos.

PORTUGAL

Manoel Oliveira

12/3/20256 min ler

Portugal já entra em 2026, em uma corrida de candidatos na próxima eleição presidencial, em um estado político que já não conhece desde os primeiros anos da democracia; a existência de uma fragmentação extrema, a radicalização discursiva, grande desconfiança nas instituições e uma direita parlamentar reforçada pelo populismo que, subitamente, deixou de ser um discurso marginal.
O fim do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, não representa apenas a sucessão normal de um Presidente, mas o fim de um amortecedor político, que durante quase uma década conteve crises, suavizou conflitos e evitou ruturas drásticas.
O próximo Presidente já não terá o conforto da popularidade transversal, ou mesmo o benefício do consenso automático. Herdará um país dividido, desconfiado e muito mais volátil.
Vamos tentar resumir as candidaturas para os leitores do Blog, sobretudo, para os brasileiros, que não têm muito contato com a política de Portugal.

Luís Marques Mendes: ordem em um país inquieto

Luís Marques Mendes é, sem rodeios, o candidato do “sistema", no tempo no qual o próprio sistema está sob fogo cruzado.
Representa a experiência, a previsibilidade, o institucionalismo clássico, bem como a ideia de que a democracia portuguesa ainda se resolve melhor pelos equilíbrios discretos, do que pelos choques frontais. Por esta razão, a sua candidatura agrada mais àqueles que temem aventuras políticas, ruturas bruscas e experiências populistas.
Contudo, essa é também a sua grande fragilidad, pois Marques Mendes simboliza tudo aquilo que uma parte do eleitorado rejeita, ou seja, as carreiras políticas longas, proximidade dos centros de poder, discurso técnico e ausência de empatia emocional.
Marques Mendes é o candidato da razão, em um país que vota cada vez mais pela emoção. Pode até vencer por falta de alternativa mobilizadora ao centro, mas dificilmente entusiasma. A sua vitória seria a escolha da segurança, por um eleitorado cansado de sobressaltos e sucessivas eleições, mãs não pode ser considerado como um voto de esperança aos portugueses.

Gouveia e Melo: a tentação tecnocrática

Henrique Gouveia e Melo é o reflexo de um fenómeno inquietante: o desejo crescente de soluções não políticas para problemas políticos. O seu sucesso na implementação de uma política eficiente de vacinação contra a COVID-19, na época da pandemia, criou uma espécie de "personagem mitológico", que está centrado na eficiência, na hierarquia e na disciplina, vindos de seu recente passado militar (é almirante reformado). Muitos portugueses projetam nele, a figura do “gestor sério”, ou seja, aquele que vem para colocar ordem no caos partidário.

O grande problema é que Belém, não é exatamente uma comissão de crise sanitária. Um Presidente da República não gere, arbitra; não comanda, negocia; não executa, simboliza. A candidatura de Gouveia e Melo vive de utopia ou, digamos, de uma promessa implícita de que somente um "outsider”, poderá corrigir os vícios crônicos do sistema.
É uma promessa sedutora, mas é também muito perigosa, pois a tecnocracia aplicada à política, tende a subestimar os conflitos sociais reais, as desigualdades estruturais e o valor do pluralismo na sociedade. Se chegar à segunda volta, obrigará o país a decidir se prefere um político experiente ou um bom gestor de crises senitárias, elevado a chefe de Estado.

António José Seguro: o PS em posição defensiva

A candidatura de António José Seguro é o retrato fiel da crise atual do Partido Socialista. O PS, derrotado, cansado e em processo de reconstrução, optou por um nome seguro no sentido mais literal: baixo risco, discurso moderado, ausência de radicalismos. Seguro é o candidato da contenção, do diálogo institucional e da normalidade democrática.

O problema é que a normalidade já não mobiliza. O eleitorado socialista está desmoralizado, dividido entre a culpa da governação passada e o medo do futuro. Seguro tenta ocupar um espaço de “presidência social”, mas esse espaço está apertado entre uma direita confiante e uma extrema-direita agressiva. Se não conseguir transformar a eleição num verdadeiro referendo entre Estado social e desmantelamento neoliberal, corre o risco de ficar prisioneiro de um eleitorado fiel, mas insuficiente.

André Ventura: um teste ao regime democrático

A candidatura de André Ventura será o maior teste de stress, que a democracia portuguesa enfrentará desde 1976, pois pela primeira vez, um candidato assumidamente populista, iliberal e sistematicamente hostil aos princípios do pluralismo, tem uma base eleitoral suficientemente grande, para sonhar ao menos com a segunda volta — e, em um cenário extremo e otimista, com a própria Presidência.
Ventura não disputa Belém apenas para ganhar, mas, sobretudo, para transformar a própria natureza do cargo. Será um Presidente que não hesitará em atacar tribunais, a imprensa, "minorias" e adversários políticos, mudando radicalmente o clima institucional do país.
Contudo, mesmo que venha a perder as eleições, o simples facto de poder disputar a segunda volta (segundo turno do Brasil), já representa uma vitória estratégica para o CHEGA!, que ainda está em busca de um maior reconhecimento e afirmação entre os portugueses, sobretudo, entre a maioria idosa, que apesar de conservadora, ainda tem lá as suas desconfianças em discursos radicais, que empurra todo o debate público para terrenos mais agressivos, mais simplistas e mais polarizados (nós contra eles).

João Cotrim de Figueiredo: um liberal que fala para quem não ouve

Cotrim de Figueiredo é intelectualmente consistente, politicamente educado e ideologicamente claro. Como liberal, defende um Estado mais pequeno, eficiente e menos intrusivo. O problema é que Portugal ainda é um país estruturalmente dependente do Estado, com desigualdades abissais e com uma classe média fragilizada.
O liberalismo pleno que Cotrim propõe, funciona melhor em economias mais robustas e menos assimétricas, porém, sua candidatura é importante para enriquecer o debate; dificilmente será determinante no resultado final. Cotrim fala para um eleitorado urbano, escolarizado e minoritário, no contraste de um país muito envelhecido e atrasado.
João Cotrim de Figueiredo pode até influenciar o discurso da direita, mas não lidera o campo conservador.

Catarina Martins: a coerência ideológica e o isolamento político

Catarina Martins mantém uma coerência discursiva, em um panorama onde muitos mudam de posição conforme as sondagens.
Defende sem ambiguidades um Estado inchado e social, com a valorização cega e incondicional dos serviços públicos, a regulação do mercado e os direitos das "minorias". O problema não está no discurso, mas o isolamento político progressivo do Bloco de Esquerda, que ele causa, ano após ano de promessas que não se concretizam, pelo simples fato da maioria delas, ser inexequível, pois contrária à onda conservadora que está varrendo a Europa e o mundo. A geopolítica mundial está a ser transformada muito rápido, sobretudo, porque encontra apoio no governo de Donald Trump nos EUA.
Depois de anos a apoiar os sucessivos governos do PS, mas sem conseguir impor reformas estruturais profundas, o Bloco perdeu parte do seu eleitorado para a abstenção e para as pequenas formações. Catarina Martins tenta agora recuperar a pureza ideológica, mas o eleitorado já não acredita facilmente nas promessas de transformação da extrema-esquerda, sem qualquer poder executivo.
A sua candidatura - como todas as candidaturas do Bloco - terá o seu peso simbólico, mas pouca influência nos cenários decisivos.

PCP, Livre e a fragmentação da esquerda

A esquerda à esquerda do PS, apresenta-se dividida em múltiplas identidades. Temos o PCP preso à sua matriz histórica, o Livre a tentar construir uma esquerda europeísta e urbana e várias pequenas candidaturas de protesto.
O resultado prático é a diluição da força eleitoral, pois nenhuma dessas candidaturas ameaça seriamente a segunda volta, mas todas retiram votos umas às outras.
Este é talvez o sinal mais claro de uma mudança estrutural, pois a esquerda portuguesa deixou de falar a uma só voz, mas ainda não encontrou uma linguagem comum, capaz de disputar hegemonia cultural com a direita.

O confronto da estabilidade contra a rutura

No fundo esta eleição não será sobre nomes, mas sobre modelos de país. De um lado, estão os candidatos da estabilidade institucional — Marques Mendes, Seguro, Gouveia e Melo (em parte) e, do outro, o candidato da rutura populista — Ventura. Pelo meio, candidaturas ideológicas de afirmação puramente identitária.
Em última análise, o eleitorado será chamado a decidir, se prefere um Presidente que funcione como travão e moderador num sistema instável ou que seja agente ativo de conflito político.
A escolha não é meramente simbólica. Em um Parlamento claramente fragmentado, um Presidente pode decidir dissoluções, vetos estratégicos, bloqueios institucionais e até influenciar diretamente na duração de governos.

Um país menos consensual, uma presidência mais dura

Cremos que o tempo dos Presidentes consensuais, termina com Marcelo Rebelo de Sousa. O próximo chefe de Estado terá de ser, inevitavelmente, mais contestado, vigiado e pressionado. Não mais bastará a empatia mediática de Marcelo, despachando em uma praia do Algarve, nem seu sorriso conciliador nas "selfies". O próximo Presidente terá de lidar com uma centro-direita mais dura, uma esquerda mais fragilizada e uma extrema-direita, que não aceita perder sem gritar alto.
Estas presidenciais serão muito mais do que uma eleição de rotina, mas o primeiro grande teste de maturidade do novo ciclo político português. Se o povo falhar na escolha, o preço institucional poderá ser alto. Se acertar, talvez Portugal consiga atravessar a próxima década, sem que o conflito permanente substitua em definitivo o compromisso democrático.

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